quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

O CONCEITO DE COMPAIXÃO EM NIETZSCHE: UMA MOSTRA DA HEURÍSTICA-CRIATIVA E PERFORMATIVIDADE DO AUTOR E A RECEPÇÃO/PERCEPÇÕES QUE ESTE ESTILO DE VIDA SUSCITA EM SEUS LEITORES

GALERINHA MÊS DE DEZEMBRO ESTIVE AUSENTE DEVIDO AS CORRERIAS DE FIM DE SEMESTRE, CONTUDO VALEU A PENA. SEGUE ABAIXO O REGISTRO POR ESCRITO DA MINHA PRIMEIRA COMUNICAÇÃO. FOI MASSA, VALEU JOÃO!

(COMUNICAÇÃO PROFERIDA NO II SIMPÓSIO DO MESTRADO EM CIÊNCIAS DAS RELIGIÕES, DA FACULDADE UNIDA DE VITÓRIA)


CONSIDERAÇÕES INICIAIS

     Segundo Inês Lacerda Araújo, professora do departamento de Filosofia da PUCPR, deste o fim do século XIX, quando o tema da linguagem se tornou objeto de preocupação na filosofia, o mesmo vem sendo considerado nas seguintes dimensões: signo, proposição, ato de fala e discurso. E segundo a autora, estas dimensões embora separadas para fins de análise, na prática da linguagem elas se articulam não sendo possível isolar umas das outras. É desta maneira que a autora trabalha em seus textos com a hipótese de que subjetividade e linguagem não são excludentes e que, portanto, quando o nosso pensamento se volta para um destes objetos, o outro não pode estar ausente/afastado, (ARAÚJO, 2004/2007), pois

[...] é num mundo permeado de signos, interpretado por signos, “semiotizado” pela linguagem e objetivado por atos de fala que pessoas [...] se comunicam e têm em vista certos propósitos, em função dos quais agem, argumentam, valoram, produzem saber, cultura. [...] (ARAÚJO, 2007, p. 102)

Deste modo, trazemos estas considerações iniciais a fim de refletirmos, conforme trabalhamos em nosso artigo, no sentido de que há na escrita nietzschiana um modo muito próprio e particular de ser-existir Nietzsche no mundo e para o mundo. E que, portanto, sua escrita se constitui como uma expressão de sua subjetividade, ou seja, a materialidade dos seus processos/modos de subjetivação e que dizem respeito à criação de modo de existência e de estilo de vida. Desta maneira, por meio de um modo heurístico-performático-criativo de escrever, Nietzsche suscita questionamentos em seus leitores que foram gestados por meio de suas vivências e experiências existenciais. Uma heurística performática, porque há performatividade aí, contudo há uma heurística da criação, que parte do autor ao leitor e do leitor ao autor, em um movimento circular. Assim, ao pensar a escrita nietzschiana como sendo uma expressão/tentativa heurístico-performática-crativa de superação das próprias limitações da linguagem. Uma escrita arte. Um modo de expressão de sua subjetividade por meio da linguagem escrita, como resultado de um processo/experiências. Um modo de comunicar-se e colocar-se no mundo não podemos desconsiderar a receptividade que esta comunicação de vivências internas cheia de performatividade estilística desperta em seus leitores.

O CONCEITO DE COMPAIXÃO NA ESCRITA NIETZSCHIANA: HEURÍSTICA-CRIATIVA E PERFORMATIVIDADE

Sustentamos deste modo, em nosso artigo, que o conceito de compaixão é exposto nos textos de Nietzsche de modo hiperbolicamente agressivo e que o mesmo é pensando em confronto direto, com aquele que ele mesmo classificou como seu mestre[1], Schopenhauer, contudo consideramos também, que não podemos apenas falar de uma intertextualidade, e/ou relação de oposição entre textos filosóficos divergentes, pois sustentamos que na escrita nietzschiana é o ato de posicionar-se na vida que grita. E não é apenas um grito de refutação na busca pela vontade de poder, e/ou uma ideologia de classes, mas, é o filósofo/filólogo de formação religiosa judaico-cristã descobrindo genealogicamente os conceitos. Fazendo questão de ao re-colocar não apenas recorrer a uma relembrança de alguém, mas, aqui, o que se quer é descobrir e não descrever novamente o que já foi dito por alguém; pois não é a compaixão o seu problema maior, apesar de ser esta também um problema para Nietzsche, contudo, é a moral e o valor da moral enquanto problema que envolve o ato de compadecer-se que lhe interessa e está em questão.

Deste modo, mostramos no artigo que a formulação do conceito de compaixão para estes dois filósofos têm como base uma perspectiva antropológica, pois é a partir do modo como ambos percebem as relações humanas que o conceito é formulado e trabalhado. Para Schopenhauer “é especificamente o sofrimento dos outros que faz com que os homens se comovam”, ou seja, na moral da compaixão schopenhaueriana deve-se levar em consideração o sofrimento do outro, há aqui a questão da “identificação interpessoal humana”, do identificar-se com o outro e por meio da vontade superar o individualismo (HUPPES, 2012, p.49 e 50), contudo, para Nietzsche, os homens sempre agem movidos pelos seus próprios interesses, não existindo assim a questão da identificação com o outro mediando as relações, mas o que existe são as inclinações egoístas e interesses particulares disfarçados, (HUPPES, 2012, p. 51), pois para Nietzsche “aquilo de que sofremos de modo mais profundo e pessoal é incompreensível e inacessível para quase todos os demais”, pois o compassivo nada sabe de toda a sequência de complicações interiores que a infelicidade significa para mim e para você”, ou seja, o que envolve a infelicidade, “a irrupção de novas fontes e necessidades, o fechamento de velhas feridas, o afastamento de passados inteiros” tudo isso não preocupa o compassivo, pois ele só quer ajudar, não sendo capaz de pensar que existe uma necessidade interna pessoal interior, que há tremores, terrores existenciais, “privações e meias-noites”, “riscos e erros tão necessários” em nossa existência como o seu oposto. (NIETZSCHE, 2001, p. 226 e 226, aforismo 338). Assim, em Nietzsche a noção de compaixão precisa passar necessariamente por outra questão, a saber, a amizade; pois só entre amigos é possível a compreensão por inteiro da dor e miséria humana. E só eles, os amigos, podem ter conosco uma esperança em comum.

RECEPÇÕES

Neste ponto, entra a questão da recepção entre Nietzsche e seus leitores. Questão, aliás, que é recorrente em suas obras. Se constituindo algumas vezes como uma verdadeira preocupação do filósofo/filólogo durante sua trajetória. Como os meus escritos e pensamentos estão sendo recepcionados pelos meus leitores? Esta é uma preocupação que aparece de modo claro nas obras de Nietzsche e assim como a maioria dos conceitos pensados pelo autor vai ao longo dos seus textos e obras variando semanticamente em um constante movimento existencial, Eduardo Nasser vai sustentar em seu artigo que é entre a “reunião” de um “leitor que preserva a literalidade do texto” e um “leitor a empreender uma arte de interpretação” é que “fecunda a figura do leitor ideal em Nietzsche”. E ler Nietzsche, neste sentido, se torna interessante por que ao conceituar ele retira as palavras do seu campo semântico habitual e isto provoca/suscita múltiplas reações em seus leitores. E reações das mais diversas/variadas possíveis. Reações, muitas das vezes, provocadas premeditadamente/estilisticamente pelo autor, contudo nem sempre na escrita nietzschiana os conceitos são recolocados ou construídos às vezes até como personagens fictícios, apenas estilisticamente (NIETZSCHE, 2005, p. 8 e 9, aforismo 2); não, pois em Nietzsche a linguagem parece não ter sido inventada para o que realmente importa, (NIETZSCHE, 2008, p. 78, aforismo 26), por que parece que tudo que pensamos realmente se importar é desmoronado após o encontro com a escrita nietzschiana. E com o conceito de compaixão, assim como muitos outros conceitos reconstruídos pelo autor é mais ou menos isto que acontece, são desvalorados/transvalorados.  Assim, a palavra/conceito quando mencionada suscita no ouvinte um tipo de recepção, que pode dialogar ou não com o ponto do qual onde ela partiu, e isto porque a questão da recepção passa por questões complexas referente à aprendizagem, inteligência, a cognição, os processos psicossomáticos que interferem na construção dos pensamentos, além da intersubjetividade linguística, pois são os falantes “que acertam entre si os aspectos da situação” comunicados no mundo.


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 REFERÊNCIAS

ARAÚJO, Inês Lacerda. Do signo ao discurso: introdução à Filosofia da Linguagem. São Paulo: Parábola Editorial, 2004.

__________. Inês Lacerda. Subjetividade e linguagem são mutuamente excludentes? Princípios, Natal, v. 14, n. 21, jan./jun. 2007, p. 83-103.

AUGRAS, Monique. Criatividade e Heurística. Arquivos brasileiros de psicologia aplicada, Rio de Janeiro, ano 4, v. 24, n. 4, p. 15-29, 1972.

LUBART, Todd. Psicologia da criatividade. Porto Alegre, RS. Artmed, 2007.

NASSER, Eduardo. Nietzsche e a busca pelo leitor ideal. Cadernos Nietzsche, São Paulo, v. I n. 35, p. 33-56, 2014.

NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. A Gaia Ciência. Tradução, notas e posfácio: Paulo César de Souza. São Paulo, Companhia das Letras, 2001.

___________. Friedrich Wilhelm. Crepúsculo dos ídolos. Tradução, notas e posfácio: Paulo César de Souza. São Paulo, Companhia da Letras, 2008.

___________. Friedrich Wilhelm. Genealogia da Moral: Uma polêmica. Tradução, notas e posfácio: Paulo César de Souza. São Paulo, Companhia da Letras, 1998.

___________. Friedrich Wilhelm. Humano, demasiado humano. Tradução, notas e posfácio: Paulo César Souza. São Paulo, Companhia das letras, 2005.




[1]  NIETZSCHE, 2001, p. 123-126, Livro II, aforismo 99 “os seguidores de Schopenhauer”. Ver também em Genealogia da moral, aforismo 5 do prólogo, aqui Nietzsche fala abertamente que ao tratar sobre o valor da moral ele tinha que se defrontar sobretudo com seu grande mestre Schopenhauer, pois, no que se referia aos instintos de compaixão que seu mestre havia idealizado por tanto tempo que no final se tornaram valores em si, o valor do “não-egoísmo”.